"Tinha um sorriso de Monalisa!" - escreveu-me meu amigo num email que mandou.
Naquela tarde tinha tentando embarcar para Ouro Preto onde ia dar uma palestra num evento literário.
Não sabia que ia encontrar toda aquela confusão. Gente gritando histérica, crianças chorando, um cheiro de vômito misturado com naftalina de banheiro, suor, cansaço. Uma bagunça!
Olhei pro marcador e vi que o vôo ia demorar.
Afinal, com que estrutura iria eu falar pra alguém no Festival?
Antes que eu ficasse ainda mais puto e começasse a entrar na onda de quebrar tudo, xingar e gritar liguei para agente que tinha me convidado, pedi desculpas e cancelei a palestra.
No táxi o motorista reclamava que foi só a eleição terminar pra tudo começar, que os preços já estavam aumentando, que suas contas estavam todas atrasadas, e bla-bla-blá, e bla-bla-blá.
Só fiz escutar... Se respondesse ao homem iria aumentar sua ira.
Cheguei em casa, liguei o rádio e abri o chuveiro para tomar um bom banho quente.
Nu do jeito que vim ao mundo sentei em frente ao computador em busca de amenidades.
Deixei de lado os emails de negócios, os blogs de notícias, os jornais e fui direto para aquele email do cara. Nele ele me contava o que tinha acontecido no seu dia de Orkut.
"Fuçava daqui, fuçava dali quando de repente me deparei com ela, enigmática, delicada, terna. Estava ali em preto e branco, cabeça inclinada, boca pintadinha de batom. Realçou o enigma seu breve perfil - "definir é limitar". Pródigas palavras que me instigaram a querer conhecê-la. Quase que por impulso pedi para que me adicionasse como amigo, queria saber quem era aquele anjo." - contava ele.
Diante de todo aquele caos que tinha sido o meu dia o email do cara contando como Eulália tinha surgido no seu Orkut como um daqueles querubins que aparecem para iluminar qualquer desilusão conseguiu me fazer relaxar.
"Enquanto aguardava ser adicionado na sua lista de amigo" - continuou, "escrevi-lhe um poema. Procurei traçar o itinerário da sua alma, alguma forma de alcançá-la mais facilmente. Porém pouco durou a emoção. Fui recusado".
Por uma destas coisas dos sites de relacionamento a garota tinha sido plugada há pouco tempo, tendo sua identidade copiada por uma outra pessoa, contava ele. Por isso estabeleceu que só se corresponderia com quem conhecesse, como muito bem fazem muitas pessoas na Internet.
"Tudo bem... Aceitei a decisão, mas não resisti à tentação de insistir em saber que era aquela mulher, quase uma criança de sorriso tão enigmático. Descobri que ela tinha um blog e fui lá pra ver. As fotos, as narrativas, o espaço indicavam que eu tinha que sair correndo dali pra não ter a sensação criminosa da invasão".
Esse caraé foda mesmo, não iria deixar pra trás a oportunidade de rapidamente romper a limitação e definir quem era aquela criatura.
Também fiquei curioso e acessei o blog da menina.
Dalí tirei algumas frases:

"Ontem eu ia perdendo o que nem tenho ainda. O que nem cabe em meus braços".
"A menina tontinha tem lhe tirado do sério? Paciência, paciência".
"Aqueles dias com gosto de caqui, que dão vontade de se fechar em casa, mas de abrir o coração e a alma".
"Com rotina ou sem rotina, com problemas ou sem problemas, tô feliz".
"Um dia ainda vou dar as costas pra tudo que me atormenta, vou viajar pro Japão, pra Lua e pra Saturno e nunca mais volto".
"Ai como tô sem saco pra escrever aquelas coisas bonitas..."

Fiquei ali, lembrando dos tempos da escola, de quando as amigas iam me mostrar os poemas de gaveta que escreviam para os seus namorados, e eu viajando neles como se fossem para mim. Continuei a ler o email dele.
"Já ia saindo do Orkut quando dei de cara com um recado de Eulália:
"Porque você não se identifica?". Que vontade eu tive de me identificar para ela. Quem sabe assim eu não conseguiria vencer o enigma e aproximar-me dela".
Doce mistério esse que encerrava aquele contato do BILLY BIRÃO comigo!
Tão bom que a vida fosse feita só de sonhos ao final de um dia intranqüilo.
Sai do computador com a frase de uma canção que escutei no rádio do táxi a caminho de casa: "Viver é melhor que sonhar!".
Pena que sonhar custe tão caro e a vida tenha que continuar.
E Eulália para o BILLY BIRÃO não passava de um sonho!